Realmente não sei o que ele vê de divertido em acampar, sem internet, sem televisão, celular fora de área e está terrivelmente frio aqui. Também temos o fato de que o céu está com fortes indícios de chuva. Aticei um pouco a fogueira e me acomodei melhor em minhas cobertas.
_ Se sua cara ficar mais feia Rafael, minhas histórias de terror vão perder a graça perto de você! – Ele gargalhou alto, tive que fazer um enorme esforço mental para não dar um soco no meu irmão – Sério, aproveite um pouco a aventura, você fica sempre trancado naquela quarto, só sai para ir ao colégio.
_ Por um bom motivo, não tem nada de interessante para fazer aqui além de olhar sua cara feia – Henrique continuou rindo, mas então sua expressão tomou um ar sério – O que foi?
_ Você ouviu isso? – Ele virou o rosto como se quisesse apurar os ouvidos – Acho que o resto da turma chegou.
Meu irmão resolveu a uma semana que acamparíamos, meus pais amaram a ideia, ainda mais pelo fato dela me jogar para fora de casa por alguns dias. Eu relutei muito, era minha primeira semana de férias, eu queria jogar alguns jogos novos que eu comprei e terminar de baixar minhas séries, mas meus planos foram pisoteados por uma haste de barraca.
Me armei com vários livros, a maioria de terror, se fosse para passar por essa provação, que pelo menos uma de minhas diversões fosse levada, porém, para poder levar meus livros tive que enfrentar toda uma resistência vinda de meu irmão, sua argumentação foi a seguinte:
“Se você levar isso, qual será a graça, temos que conversar e rir. Além do mais, nós não vamos ficar tanto tempo fora, deve ter uns dez livros ai, você não vai ler nem metade.”
Acabei por fim, tendo que levar apenas três livros, aproveitei para pegar os mais grossos.
Agora estávamos ali, em uma roda, John abraçado a sua namorada, eu com o livro quase dentro do rosto, Henrique contando uma história para Sara e Mayara, as gêmeas, exceto pela cor dos olhos (uma tinha olho castanho e a outra azul), amigas da namorada de John.
_ Seu irmão é sempre assim? – Uma delas perguntou baixinho, com a intenção de me deixar alheio a conversa.
_ Assim como? – Perguntei vendo a garota me olhar envergonhada.
_ Você está lendo desde que chegamos, acho que é isso que ela quer dizer. – John falou enquanto a namorada se acomodava em seu peito.
_ Eu nem queria vir, logo não faz diferença. – Voltei novamente minha atenção para o livro, senti que meu irmão me olhava com ódio.
_ Eu vou contar isso para nossos pais...
_ Pode contar, eu já tenho 16 anos, o que eles vão fazer? Se queria se divertir com seus amigos não devia ter me trazido.
_ Você é a pessoa mais estranha do mundo sabia, é por isso que com 16 anos você não tem um único amigo.
_ Acho meiga a forma como você sempre me joga isso na cara em momento de brigas. – O olhei em tom de escárnio. Quando as pessoas me acusavam de não ter amigos, na minha mente era como chamar uma pessoa loira de loira, não me incomodava nem um pouco.
_ Se você quiser ir embora pode ir – Ele jogou as chaves do carro em mim – Mas vai ter que aguentar o pai e a mãe.
Joguei a chave de volta e olhei contrariado, se eu voltasse agora teria que ouvir um sermão quatro vezes maior que uma missa.
_ Eu não vou, mas me deixem ler em paz.
Todos concordaram e voltaram a atenção para meu irmão que agora começou a contar uma história de um tal Slender man.
_ Diz à história que ele é um homem que pode alongar seus braços o quanto ele quiser, que ele sempre veste um terno preto e não tem rosto. – Neste momento ele parou e adotou um tom solene – Era uma vez, uma menina chamada Margareth, ela tinha apenas oito anos de idade, mas já conhecia as trilhas da floresta atrás de sua casa, porém, uma vez ela acabou tomando uma trilha diferente, para ver onde ela iria parar. Andou por vários minutos até que encontrou algo, um pedaço de pano preto, ela olhou ao redor e não viu ninguém.
“Ao longo da floresta ela encontrou vários pedaços de pano rasgado, alguns com marcas de sangue, Meg achou que seria melhor voltar e avisar seus pais, mas quando se deu conta já havia escurecido. Sem conseguir achar o caminho de casa, ela resolveu esperar que seus pais sentissem sua falta. Encostou a cabeça em um tronco de árvore, estava com muito medo para dormir, resolveu que seria mais seguro subir em algum galho mais alto já que ela sabia o tipo de animal que habitava a floresta. Passados alguns minutos a menina ouviu um barulho, seus olhos se direcionaram para o som, mas não avistou nada, achou que pudessem ser seus pais e resolveu correr até lá. Foi quando um som mais alto se fez ouvir atrás dela, quando Meg se virou ela viu um homem muito alto, vestindo um terno preto, ele não tinha rosto, Meg queria gritar, mas sua garganta se negou a ultima coisa que Margareth viu foi uma mão, que se alongou e adentrou seu estomago e o sangue esguichando no rosto pálido daquele homem esguio.”
Ele teria ganhado meus aplausos se eu não estivesse tão bravo, mas pela expressão dirigida a mim, ele deve ter notado que eu gostei.
_ Por que você não nos conta uma história Rafael? – Ele disse quase em tom de desafio.
_ É você está lendo esse livro de terror a um tempão, deve ter algo de bom para contar – Mayara disse chegando mais perto de mim.
_ Não sei, não sou tão bom contando histórias quanto o Henrique...
_ Vamos lá, para de ser mentiroso, você é o irmão menor e quem me contava histórias para dormir era você. – Ele riu.
_ O.K., vocês venceram, vou contar uma história de um episódio de uma série que eu vejo...
Quando terminei a longa história, recebi aplausos calorosos, e pensei que talvez não fosse tão ruim assim estar ali. John e Sara também contaram suas histórias de terror e depois de comer uns doces fomos dormir.
Um frio cortante adentrou minha barraca, quase um agouro de morte, resolvi levantar e pedir mais um cobertor emprestado para Henrique. Caminhei até a barraca dele, porém quando cheguei lá ele não estava, encontrei apenas um bilhete, nele estava escrito penas “Nunca olhe para trás”. Logo pensei que deveria ser algum tipo de brincadeira, então me dirigi até a barraca de John e da namorada, chamei seus nomes várias vezes, sem obter resposta adentrei a barraca, havia mais um bilhete lá dentro, esse era maior, dizia o seguinte:
“Olá meu caro Rafael, vejo que você apreciou a história sobre mim, que tal então nós brincarmos um pouco... Eu estou com seu querido irmão e o amiguinho dele, como eu estava faminto, a namorada foi um ótimo aperitivo, mas eu continuo com fome Rafael, porém você terá uma chance de salvar seus amigos. Eu espalhei oito páginas com alguns escritos por essa floresta, você tem até o amanhecer para acha-las ou então eu vou ter um jantar bem farto”
Minha cabeça deu um giro, parecia que haviam arrancado a terra debaixo dos meus pés. Tentei me acalmar e chamei por Sara e Mayara, mas não obtive respostas. Meu desespero começou a voltar, não tinha como ligar para nossos pais, e logo iria amanhecer, olhei ao redor e avistei um papel colado em uma árvore bem à frente, corri até lá e o peguei, estava escrito somente “Sempre observando sem olhos.”.

Guardei o papel no bolso da minha calça e continuei correndo pela floresta, seria quase impossível encontrar mais sete páginas em um lugar enorme como aquele, minha prioridade era descobrir onde meu irmão estava.
As minhas pernas começaram a doer, e a lanterna que eu tinha pegado estava ficando fraca, felizmente eu havia trazido algumas pilhas. Não queria ter que ficar no escuro, mas seria o único jeito. Retirei as pilhas e tudo ficou na mais completa escuridão, senti arrepios percorrendo minha espinha, tal como se insetos caminhassem sobre a minha pele. Quando reacendi a lanterna avistei uma pedra que parecia ter algo branco colado em sua superfície, andei até lá e peguei o papel, nesse se podiam ver apenas várias vezes a palavra não e um desenho de um homem que deveria ser o Slender.

Olhei ao redor, não havia ninguém, resolvi continuar correndo. Segundos depois ouvi um barulho atrás de mim e virei a lanterna abruptamente em direção ao som. Meu coração perdeu um compasso, minhas pupilas se dilataram de tal forma que até mesmo sem a lanterna eu poderia ver, lá estava ele, vestido com um terno preto, não tinha olhos, mas eu sabia que me observava, virei na direção contrária e comecei a correr, ouvi um barulho de estática, o ignorei e continuei correndo o mais rápido que pude.
Quando meu pulmão começou a exigir mais ar do que eu poderia inspirar resolvi que já tinha corrido o suficiente. Mas então o remorso me acometeu, se ele estava lá, meu irmão e John também estariam, eu ia me virar e voltar mas então um papel caiu de meu bolso e lá eu vi a inscrição que tinha lido alguns minutos antes: “Nunca olhe para trás”, de algumas forma eu sabia que deveria respeitar aquele conselho o máximo que pudesse, então continuei correndo na direção em que estava antes e comecei a chamar pelo nome do meu irmão.
Já deveria ser quase meia noite quando me deparei com um fusca azul abandonado no meio da mata, entre as árvores. Andei em volta e lá dentro pude ver que havia mais uma página, forcei a porta várias vezes, porém com uma das mãos ocupadas eu não poderia usar o máximo da minha força, deixei com cuidado a lanterna sobre o fusca e comecei a puxar a porta com todas as minhas energias, até que ela cedeu, alcancei a páginas e nesta estava escrito: “Me deixe em paz”.

Meu coração estava aos pulos, com as três páginas em meu bolso voltei a andar. Dois minutos se passaram e eu comecei a ouvir novamente a estática, todo meu sangue pareceu gelar, corri o mais rápido que pude, sentia o vento cortando meu rosto e o cansaço me abatendo como nunca antes.
Eu tinha mais umas quatro horas para achar as outras cinco páginas, meu animo não poderia estar pior, em vários momentos achei que fosse desmaiar. Andei mais uns bons quinze minutos antes de encontrar uma construção estranha, quatro paredes formando uma cruz, corri ao redor, e lá pude ver o que com certeza era uma das páginas, porém antes de chegar até lá, aquele terrível som de estática me acometeu mais uma vez, continuei andando, peguei a página e sai correndo. Quando som cessou, olhei para a página, nela estava escrito apenas: “Não pode correr”. Sem me dar conta lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto, comecei a chutar a árvore mais próxima.

_ Por quê? Hã? Ele só queria me tirar um pouco de casa, por que justo nós? – Meus soluços estavam muito altos, mas mesmo assim pude perceber o leve som de estática atrás de mim, sem mais forças, comecei a correr em um pique muito lento, o som ia aumentando até que eu não pude mais correr, desmaiei ali, com aquele som terrível em minha cabeça.
Não sei por quanto tempo fiquei apagado, mas quando acordei estava em uma espécie de caverna. Uma iluminação tremula atrás de mim, criava sombras na parede a minha frente, havia três pessoas ali e uma para minha infelicidade era estranhamente alta e magra.
_ Bom trabalho, te libertaremos assim que nos assegurarmos de que estamos a salvo. Aquela era a voz da Sara, senti que até os fios do meu cabelo gelaram quando Slender se aproximou de mim.
Me virei rapidamente, Mayara e Sara estavam lá paradas, em frente a um altar, sorrisos maliciosos saiam de seus lábios, senti braços me agarrando, o homem esguio havia me prendido e me levou de encontro as irmãs. Sem forças para me debater eu apenas queria explicações.
_ Eu não entendo... – Minha voz saiu quase como um sussurro.
_ Acho que você merece uma explicação antes de morrer. – Mayara olhou para Sara, buscando confirmação.
_ Sim merece. – Sara parecia terrivelmente assustadora – Quem começa a contar?
_ Eu posso dar uma introdução – Sara assentiu e Mayara continuou – Achamos há alguns meses atrás um livro sobre invocação, um ritual que pode invocar qualquer monstro que você quiser, e ainda lhe dá o direito de controlá-lo. Nós resolvemos tentar e escolhemos um dos seres menos perigosos e deu certo, você não pode imaginar o que ele fez por nós. Sara e eu bem... Você sabe que nós mudamos para cá a cerca de cinco meses, o motivo da mudança foi por que em nosso ultimo endereço nós matamos a filha de um fazendeiro, vamos dizer que ela tentou competir conosco. Nossos pais descobriram, mas ao invés de nos entregar, resolveram acobertar tudo... Agora esse é nosso segredinho – Ela piscou – Quando invocamos este monstro, uma espécie de gárgula, ordenamos que ele matasse o garoto que nos dispensou para ficar com a vadia que nós matamos, e bem... Ele nos trouxe o corpo e tudo. – Elas riram alto.
_ Qual a porra do problema de vocês! – Eu gritei o mais alto que minha energia permitia.
_ Psicopatia... – Sara disse.
_ Problemas sociais sérios. – Mayara completou – O Caso é que há algumas semanas atrás Marie notou que minha irmã Sara estava apaixonada pelo seu irmão. Combinou com John de marcarem um jantar onde eles a convidariam e também Henrique para ver se surgia alguma coisa. Deram um jeito de Henrique leva-la para casa, e quando lá chegaram ela confessou sua paixão só que ele a dispensou e disse que já tinha alguém, mas que a queria muito como amiga, ela aceitou porém...
_ Um tempo depois – sara prosseguiu – Seu irmão nos convidou para acampar, nós achamos que seria a hora perfeita para eu me vingar em grande estilo. Ouvimos falar do Slender e do jogo que fora lançado a alguns meses. Enviamos a história para seu irmão, sem nos identificarmos, fizemos na floresta a mesma atmosfera do jogo e resolvemos atacar o ponto fraco do seu irmão: Você. Não foi difícil achar o rito de invocação certo para o Slender.
_ Onde eles estão, por que pegar o John também...
_ Eu queria John para mim – Disse Mayara – Mas ele também me rejeitou para ficar com Marie, logo também vamos mata-lo, mas antes vamos nos divertir um pouco com seu irmão, vendo você ser morto da forma mais cruel possível.
_ Então mesmo se eu achasse as oito páginas, ainda sim todos morreriam...
_ Sim, aquilo foi só por diversão, mas agora chega de conversa, vamos até seu irmão.
Quando elas saíram, eu pude ver no altar algo que parecia um pedaço de terno preto, banhado em sangue, estava dentro de uma tigela, com os meus pés livres eu consegui chegar perto o bastante para chutar a tigela e caiu dentro da fogueira que estava ali perto. Se não fosse aquilo que o estava prendendo então aquele não era o altar certo.
A expressão delas foi de puro terror:
_ Você quebrou as correntes...
_ Nós temos que sair daqui...
Fui jogado no chão e bati a cabeça, fiquei inconsciente, mas antes de apagar pude ouvir sons de correntes se rompendo e logo depois disso um barulho de estática terrível se fez presente então gritos agudos de dor irromperam pela caverna.
Minha cabeça doía profundamente, as lembranças dos acontecimentos anteriores me atingiram como uma bala e eu me levantei rapidamente, no chão havia um pedaço de papel, me aproximei e o peguei:
“Obrigada por me libertar e lembre-se jamais olhe para trás”
Guardei o bilhete e sai gritando o nome do meu irmão, eles não estavam dentro daquela caverna, então sai pela floresta chamando o mais alto que podia, até que depois de muito insistir, uma resposta fraca chegou até mim.
_ Rafael? – Eu não reconheci de onde o som vinha, então olhei para cima e lá estavam eles pendurados em uma árvore alta.
_ Eu vou tirar vocês dai – Fiz menção de subir a árvore.
_ Não, você não vai conseguir, volte para a cidade procure ajuda.
Antes de sair, eu avistei na árvore ao lado os restos do que algum dia foi Marie, olhei com pesar para John que parecia ter desmaiado. Então o mais rápido que pude corri até achar a trilha que voltava para o acampamento. Fui direto para a polícia onde contei o que havia acontecido omitindo a parte do Slender. Logo estávamos lá tirando meu irmão e o amigo dele da árvore. Nós nunca mais conseguimos voltar naquele lugar, mas pelo menos eu sabia que tinha a gratidão do homem esguio e por isso eu estava salvo, por enquanto.
Nenhum comentário :
Postar um comentário